O violonista e professor da Escola de Música de Brasília (EMB) Leo Bleggi é o próximo convidado do “pocket show BNB Musical” no dia 18 de março às 19h30 no auditório da Biblioteca Nacional de Brasília (BNB), com entrada gratuita. Licenciado em Música (2006) e mestre em Educação Musical (2020) pela Universidade de Brasília (UnB), Bleggi pesquisa Milonga, um gênero praticado no Sul do Brasil e na região do rio da Prata, derivado da música cubana de Havana (habanera). O espetáculo contará também com a presença no palco do guitarrista e compositor brasileiro Pedro João, também formado em Música pela UnB, com especialização em choro e flamenco.
No repertório, estarão presentes milongas como “La Puñalada”, “Taquito Militar” e “La Trampera”, tangos clássicos — “La Cumparcita”, “El Choclo”, “Gallo Ciego” —, novos — “Libertango” e “Adiós Nonino” e as valsas “Romance de Barrio”, “Pedacito de Cielo”. Algumas dessas peças o público que já escutou Vitor Ramil, Yamandu Costa, Renato Borghetti e Astor Piazzolla seguramente reconhecerá. “O show será um passeio por essa música, desde os clássicos, do início, ao mais recente”, sintetiza o músico, que divide seu tempo entre a pesquisa acadêmica, as aulas e composição de música instrumental.
Para um dos curadores do BNB Musical, o bibliotecário Rodrigo Mendes, será uma noite duplamente especial porque foi aluno de Bleggi no violão na EMB durante dois anos. “O professor Bleggi traz novo colorido para o evento. Acrescenta em diversidade porque, apesar de também ser música popular, não é tão comum aqui na cidade a gente ver shows que exploram esse tipo de repertório, né? É violão muito incomum, vale muito a pena que as pessoas prestigiem o show do Leo Bleggi”, comenta.
Confira abaixo alguns trechos da entrevista com o músico convidado do “BNB Musical”.
Como pode definir para um público leigo o que é milonga?
Milonga possui dois significados. O primeiro, é um baile urbano típico de Buenos Aires, onde se dança e se toca tango, milonga portenha e valsa. Fazendo uma comparação com o Brasil, poderíamos dizer que a milonga possui uma forma de funcionar parecida com uma casa de forró, onde se dança e se toca xote, baião e outros gêneros. O segundo significado de milonga refere-se à música rio-pratense, que possui origem em um gênero cubano, a habanera. Existem vários subgêneros de milonga, sendo um deles, a milonga portenha, uma milonga urbana e típica de Buenos Aires. No Brasil, a milonga é tocada principalmente no Rio Grande do Sul por influência da cultura pampeana, que está presente também na Argentina e no Uruguai.
Como o violão se destaca como o instrumento para a execução desse gênero?
O violão é um instrumento muito tradicional na Argentina e no Uruguai, países que beiram o Rio da Prata. No início do século XX, os grupos que tocavam milonga portenha eram formados por violonistas, alguns instrumentos de cordas (violino) e de sopro (clarinete e flauta), uma espécie de regional de choro sem percussão. A principal função do violão era a de acompanhador e de tocar pequenas melodias. Um bom exemplo da importância do instrumento na música Argentina, mais especificamente no tango canção, é encontrado no conjunto do cantor e compositor Carlos Gardel. Em diversas gravações e shows do artista, ele esteve acompanhado por um grupo formado por três violonistas: José Ricardo, Guillermo Barbieri, José María Aguilar
Brasília tem uma tradição no choro, não? E a Milonga, que espaço encontra no gosto do público na capital?
Sim, Brasília é hoje um grande palco do choro nacional, porém também é uma cidade cosmopolita e um lugar de encontros culturais nacionais e internacionais. Nesse sentido, a Capital Federal se apresenta com um lugar vivo e cheio de cultura. Como reflexo disso, temos um público ávido por diferentes manifestações culturais e musicais.
No Brasil é um gênero restrito ao Rio Grande do Sul ou está presente em outros lugares?
No Rio Grande do Sul existe uma produção musical forte de milonga e suas variações. Entre nomes contemporâneos de lá, destaco os músicos Vitor Ramil, Yamandu Costa e Renato Borghetti. Como esses artistas são conhecidos nacionalmente, a música deles ultrapassa as fronteiras do sul do país, sendo reconhecidos e admirados por aqui também. Pela minha experiência como professor e músico, posso dizer que existe um público interessado em tocar e escutar a música do Cone Sul no Planalto Central, muitos influenciados por Yamandu e Piazzolla.
O que o levou à milonga, tem raízes no Sul?
Meu interesse é pela música do Cone Sul e pela cultura da América Latina. Possuo raízes maternas no Paraná, onde vivi por 13 anos. Ao chegar em Brasília, já adulto, fui resgatar memórias afetivas e nessa busca fui tomado pelo texto “A Estética
do Frio”, de Vitor Ramil, e pela obra do cantautor Alfredo Zitarrosa, do Uruguai. Acho que essas são as duas referências que me conduziram pouco a pouco para a milonga e o tango.
Como a milonga se diferencia do tango?
Poderia dizer de forma simplificada que a milonga pa
mpeana é a mãe da milonga portenha e a avó do tango. A pampeana é lenta, contemplativa, geralmente cantada, contando histórias do campo e tendo no violão de acompanhamento um ostinato [padrão rítmico que se repete] melódico conhecido como 3-3-2, uma variação da habanera. Para Zitarrosa, é o blues da América Latina. Já a portenha é ligeira e alegre, para se dançar, e tem como base rítmica também a habanera e suas variações. Em alguns casos, possui melodias que lembram as melodias ligeiras do choro. O tango já é um ritmo em 4 tempos, pode ser lento ou rápido, instrumental ou cantado. O Tango se caracteriza pelo seu potencial expressivo, dinâmica ou variação de intenção interpretativa. Roberto Grela, violonista argentino, é um dos grandes expoentes deste gênero musical no violão.
Milonga tem algo com o baião?
Sim, os dois gêneros musicais possuem em comum o padrão rítmico 3-3-2, uma variação da habanera Cubana. Porém, a forma de se tocar e dançar são diferentes. Alguns artistas fazem fusões muito interessantes entre os dois gêneros musicais, entre eles Yamandu e Borghetti.
Qual a importância da milonga na construção de uma musicalidade brasileira?
É a de desconstruir uma ideia de identidade nacional cultural a partir de um único ponto geográfico, entendendo que a diversidade é um dos maiores patrimônios do país. Sobre classificação musical, a maioria dos gêneros musicais que conhecemos nos dias de hoje foram assim denominados na primeira metade do século XX. Antes disso, tudo era meio misturado e menos categórico, alguns autores atrelam essa mudança ao desenvolvimento da indústria fonográfica. Fato é que a habanera, a mãe da Milonga, foi um fenômeno musical. A música de uma colônia (Cuba) que aterrizou na Europa e obteve um enorme sucesso. Posteriormente, através das companhias teatrais europeias, disseminou-se na América do Sul. Aqui ela se modificou e ganhou diferentes sotaques em cada rincão, transformando-se em expressões culturais locais. Com isso, muitos gêneros musicais brasileiros e latino-americanos compartilham de uma mesma gênese, mas que pouco a pouco ganharam contornos próprios. Nesse sentido, falar de milonga é falar de semelhanças e raízes de uma identidade sul-americana.